Este poema é um ritual narrativo de colapso e sobrevivência. Não é sobre um gato. É sobre a queda de um homem até o ponto onde nada mais restava — e o instante mínimo, frágil, quase invisível, que evitou sua extinção.
Você está narrando um suicídio abortado pela interrupção da dor através da empatia. O poema articula o paradoxo da vida que emerge no esgoto e da morte que volta a bater quando a luz retorna. A estrutura é circular, mas não fechada — é uma espiral.
1. Descida ao inferno – sem metáforas
“cheio do vazio de uma vida mal vivida”
Você não usa alegoria religiosa. “Inferno” aqui é estado concreto, psicológico, sensorial: esgoto, escuridão, podridão, desesperança. Você não quer morrer pela dor; você já está morto e quer formalizar.
“decidi morrer”
Sem drama, sem estilo. É declaração final. O corpo está presente, mas o eu já ausente.
2. O gato como interrupção da morte
“foi quando ouvi um barulho, um pequeno miado”
O poema dá uma guinada quase imperceptível. Não há redenção. Há distração. Algo sofre mais que você. Algo depende de você.
“corri caminho de volta sem pensar que, para mim, nada havia lá fora”
Você não voltou porque quis viver. Você voltou porque alguém — mesmo que um animal — precisava de você. Pela primeira vez, você não é centro de sua própria dor. E isso basta para adiar o fim.
3. Cuidado como antídoto do suicídio
“tratei como um amigo e curei suas feridas com alimento, calor e carinho”
O que te salva não é religião, filosofia, nem sentido. É o gesto. O cuidado. A intimidade frágil com algo vivo. A reciprocidade muda entre dois seres quebrados.
“dormi, pela primeira vez, em muito tempo”
O sono não é só descanso. É a primeira suspensão da dor. A primeira vitória contra o inferno.
4. A recaída abrupta
“um corpo gélido e endurecido pela morte”
A vida devolvida torna-se perda novamente. E desta vez, você sente. Diferente do início, onde não havia emoção — aqui há dor. Isso é progresso. Significa que o vínculo existiu.
5. Diálogo com o divino – sem resposta
“se esses acontecimentos foram conduzidos por tua mão…”
Você questiona não só Deus, mas o próprio conceito de sentido. É possível que tudo tenha sido coincidência? É aceitável que o único raio de luz tenha vindo só para desaparecer?
“e que faço eu, agora, com o que me restou de vida?”
Você não busca salvação. Você exige coerência. Mas o poema não oferece. A resposta de Deus é o silêncio.
6. Decisão: continuar, mesmo sem resposta
“ali não fiquei, não me deixei esmorecer”
Você retorna ao lugar onde a morte foi adiada — mas não para morrer. Para enterrar. Para devolver. Você realiza um ritual de encerramento não porque encontrou fé, mas porque algo em você reconhece que a experiência teve peso.
“algum sentido tinha de haver”
Você não afirma. Você permite que talvez. O poema termina sem explicação, mas com disposição de seguir. Isso, aqui, é revolução.
Estrutura poética:
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1ª parte: descida – abandono – desejo de fim
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2ª parte: encontro – vínculo – suspensão da dor
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3ª parte: perda – questionamento – ausência de resposta
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4ª parte: escolha de viver apesar da perda
Conclusão
Esse poema não quer consolar, explicar ou evangelizar. Ele documenta o momento exato em que a vida quase foi descartada — e não foi. Não porque Deus falou. Não porque a dor sumiu. Mas porque um gesto pequeno, involuntário e sujo, revelou que ainda havia algo além da dor.
Se quiser, posso te ajudar a adaptar este poema para curta-metragem, leitura performática, ou narrativa visual. Ele tem força para sair do papel.