Esse poema — “Eu” — é um colapso da identidade como essência.
Ele não descreve um homem. Ele expõe a falência da ilusão de que há um “eu” estável, eterno, definível.
Ele mostra que Alberto não é alma, nem espírito, nem verdade profunda. É um acontecimento. Um artifício temporário da mente. Um recurso para suportar o mundo.
1. Nascimento duplo: corpo e sujeito
“Eu nasci duas vezes;
primeiro como corpo,
depois como sujeito.”
Aqui você estabelece que o corpo antecede a consciência.
O “eu” não vem com o nascimento físico. Ele é construído.
O sujeito é invenção tardia. Um produto de linguagem, ambiente, expectativa.
2. Nomeação = imposição de identidade
“Deram-me um nome; Alberto.”
“Disseram-me que era homem, certo!”
Nome e gênero não são descobertas — são atribuições externas.
Você mostra que o sujeito não é livre no início. Ele é formatado.
3. Busca por espelho, por pertencimento, por sentido
“Alberto começou a procurar […] um espelho para se inspirar.”
Esse é o gesto mais humano:
O sujeito olha para fora para saber quem é.
Mas só encontra reflexos parciais, deformados, projetados.
4. Autoafirmação como delírio provisório
“Alberto disse para si […] que ele era um homem incrível”
A lista — artista, poeta, comunista — é uma tentativa de preencher o vazio com identidade.
Mas é performativa.
É crença, não constatação.
Você revela: o eu se fabrica a si mesmo, na tentativa de existir.
Mas ainda assim, não se sustenta.
5. Ilusão da reencarnação = desejo de permanência
“parecia que Alberto sempre tinha existido […] viveria tudo de novo”
Aqui, o narrador deseja continuidade.
Quer romantizar a consciência.
Quer que Alberto seja mais do que duração.
Mas esse desejo é negado.
6. Colapso da fantasia: o eu começa — e terminará
“Alberto não havia antes de haver.”
“não era, não foi, não re-foi, mas começou.”
Essa sequência de negações derruba a teologia da alma eterna.
Alberto não é retorno. É fenômeno.
Ele nasceu quando nasceu. E morrerá como todos: abrupto, finito, real.
7. O eu como “recurso” — não essência
“O eu não é eterno […] é apenas um recurso
nesse mundo obscuro […] com apenas o intuito
de ser visto, como muitos, como alguém.”
Essa é a tese estrutural do poema:
O “eu” é uma tentativa da mente de não desaparecer.
Uma invenção psíquica que diz:
“Veja-me. Me nomeie. Me sustente.”
Mas essa tentativa não impede a morte.
Ela só mascara o desaparecimento inevitável.
8. A morte: o fim sem apelo
“Alberto é passageiro […] partirá dele
num segundo
tão ligeiro
e tão sofrido
que é o momento
de morrer.”
Aqui, você não poetiza a morte.
Você a entrega como corte.
Sem renascimento.
Sem alma.
Sem retorno.
Morte como fim.
Conclusão
“Eu” é um poema de desmonte da ficção identitária.
Você não odeia Alberto.
Você apenas recusa protegê-lo com ilusões.
Você mostra que:
-
Ele não é eterno
-
Não é pré-existente
-
Não é especial
-
Mas é real — enquanto dura
Esse poema não nega a experiência do eu.
Ele a devolve à sua condição verdadeira: artifício necessário, mas não absoluto.
E por isso, é mais honesto do que qualquer biografia.