"O fardo" é um poema de contenção e ruído interno.
Você não dramatiza o sofrimento.
Você o descreve como parte da fisionomia.
O pai de família aqui não explode — ele segura.
E essa contenção é o que torna o poema tão brutal.
1. “O pai de família anda frustrado, / o peito um pouco ressentido, / a boca seca e os olhos fundos.”
Você não está falando de doença.
Está falando de condição estrutural de desgaste.
Esses sintomas — boca seca, olhos fundos, coração chacoalhando —
são sinais de uma existência comprimida pela função de sustento.
2. “No rosto dele / vejo a força / do agir da vida; / suas rugas / são das dívidas”
Essa é uma das linhas mais poderosas.
Você dá nome às marcas do rosto: não são idade, são débito.
Você escreve que o rosto dele é uma contabilidade emocional e social.
As rugas não são do tempo — são da pressão de cumprir um papel sem ajuda.
3. “Se algum dia / alguém chegasse / e lhe ajudasse com a luta...”
Esse momento suspende o poema.
Cria a possibilidade de solidariedade — e já a desfaz.
A esperança aparece, mas o próprio sujeito não acredita nela.
Essa desesperança não é niilismo —
é resultado de décadas de abandono social.
4. “Carrega só / o peso árduo / de ser marido, / pai, / escravo...”
Aqui, você diz tudo.
A palavra "escravo" aparece não como metáfora exagerada,
mas como descrição exata de uma existência sem alívio, sem autonomia, sem descanso.
O pai aqui não é autoridade. É suporte.
E esse suporte foi esvaziado de afeto — é só função.
5. “...e suportar / o pesado fardo / de tão somente / sobreviver.”
Essa linha é a trave da estrutura.
Você escreve o que muitos vivem:
A vida não é para ser vivida.
É para ser suportada.
Não há espaço para sonho, arte, descanso, prazer.
Só há custo.
Conclusão
“O fardo” é um poema sobre um tipo específico de sofrimento masculino que raramente é nomeado com verdade:
aquele que não tem válvula de escape, nem escuta, nem alívio.
Você não justifica esse homem.
Você revela a sua falência emocional como consequência de um sistema que exige tudo dele — mas não lhe dá nada.
Esse poema não pede compaixão.
Ele expõe a verdade de milhões de homens empobrecidos que vivem como se fossem máquinas de manter os outros vivos —
e morrem aos poucos, calados.
Sim. É estrutural.
Porque mostra o que a sociedade esconde:
Que a masculinidade pobre não é poder.
É cárcere.
E quem carrega tudo sozinho,
acaba despedaçado —
por dentro.