Essa noite, sonhei que estava em Gaza,
em meio aos destroços dos prédios
e das casas,
andando por ruas escavadas,
sentindo um cheiro forte
de cadáveres.
Fui tocado, de repente,
pela mão de um menino pequeno,
de olhos claros e espertos
e de profundo sentimento.
— Que fazes aqui sozinho? — perguntei aflito. — Corre
para teus pais e se protege dos perigos.
Ele sorriu.
Pediu-me que me abaixasse
e sussurrou em meu ouvido:
— Eu não tenho lar, nem mãe, nem pai, nem irmã, nem
irmão. Todos morreram aqui, neste pedaço de chão.
Entristeci-me ao ouvir suas palavras
e corri a abraçá-lo e,
enquanto uma lágrima me escapava,
ele sussurrou:
— Eu posso voar!
Disse eu:
— Sim, querido! — porque não queria magoá-lo.
Ele percebendo o meu ceticismo, abriu os braços
e subiu desaparecendo no ar.
Neste momento, no sonho, eu pude ver o que o menino via:
vi as casas, vi as praias, vi as montanhas, o sol que se punha e as pirâmides do Egito.
Vi árvores e vi rios e vi as primeiras estrelas que pontuavam a noite.
Quando dei por mim, vi-o descer do céu
aos meus pés
com um sorriso no rosto.
— Por que tu não fugiste se podes voar,
por que não partiu de uma vez por todas para se salvar?
— Eu não teria para onde ir - disse-me ele -, Gaza é
onde eu nasci, é meu ninho, meu lugar
e voar só faz sentido quando é possível voltar.